sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

O Poeta Maldito (Parte 2)

Se fizerem um show com todas as músicas de Noel Rosa, Tom Jobim ou Ary Barroso, eu vou e assisto dez vezes. Mas saio de lá sem achar que passei a tarde numa biblioteca. Não se trata de cultura e muito menos de alta cultura. Gosto da música popular brasileira e também da de outros países, mas a música popular não se confunde com a erudita. Então, como é que letra de música vai se confundir com poesia? (TOLENTINO, 1996)

Deste ponto para relembrarem o acontecido um ano antes, com os irmãos Campos, e compararem este manifesto a um possível ressentimento por Caetano Veloso ter assinado o abaixo assinado, foi um pulo. Mas Tolentino reforça o que havia dito anteriormente e segue fazendo uma crítica ao legado das Letras no país. Para o poeta, nas redações dos jornais assim como nas universidades, a censura ainda prevalece e o único critério para sancionar uma obra parece ser a genuflexão do autor aos ícones da hora. A crítica dá a impressão de que a inteligência nacional encolheu, desaparecendo com o diálogo, o debate e a polêmica. Para ele, o grande erro da cultura brasileira é colocar Chico, Caetano e Benjor no lugar de Manoel Bandeira, Adélia Prado e Ferreira Gullar. Nessa sentença, podemos, inclusive, observar que, tão conhecidos tornaram-se os três primeiros que só pelo nome é possível reconhecê-los, ao passo de que, se colocássemos só os primeiros nomes dos três últimos, correr-se-ia o risco de torná-los anônimos.

Em dado momento da entrevista, Tolentino é questionado por que não vai ensinar o que sabe nas universidades brasileiras. Ele responde que só entraria numa faculdade, disfarçado de cachorro. “Não vão me convidar para nada porque eu quero acabar com os empregos e mordomias deles” (TOLENTINO, 1996).

Em seguida, o poeta deixa claro que, para ele, a fórmula de sobrevivência no país se mantinha na trilogia do emprego público, condomínio fechado e plano de saúde; um reflexo da elite analfabeta e irresponsável, acusada por Tolentino como culpada por entregar a cultura brasileira.

O Poeta Maldito (Parte 1)

“Voltei para ensinar”, disse Bruno Tolentino a Olavo de Carvalho, quando voltou ao Brasil depois de quase 30 anos vivendo na Inglaterra. O objetivo parecia ser o único do poeta, já que sua obra, escrita em três línguas, estava praticamente completa. Mas ensinar como? Não através de discursos em salas de aula - o que também poderia ser feito, já que foi professor de literatura nas universidades de Oxford, Essex e Bristol - mas através da sua influência direta nos meios de comunicação de massa: jornais, revistas, TV, rádio, grupos de encontros... E assim fez-se ouvir, lançando, em 1995, “Os Sapos de Ontem”, consagrando a primeira grande polêmica desde seu retorno. O livro, uma coletânea de textos, artigos e poemas, tinha como alvo principal atacar intelectuais como os irmãos concretistas Haroldo de Campos e Augusto de Campos, reduzindo suas obras à mediocridade nacional, questionando, inclusive suas traduções. A briga havia começado um ano antes, quando Tolentino publicou uma resenha na Folha de São Paulo criticando uma tradução de Augusto de Campos.

Mas fico pasmo: será que absolutamente tudo que o grande americano fez em 140 palavras magistralmente agenciadas escapou a um tão vetusto e erudito inspetor de poesia, inclusive a de língua inglesa? Em todo caso, este consegue fazer da surpreendente dry directness irrompendo em: As, perched in the crematory lobby, / the insistent clock commented on, a empertigada flacidez de, Iguais às que, no crematório, / Do alto o relógio remoía. (TOLENTINO, 1994)


É claro que houve réplica, tréplica, manifesto, indignação... Publicada no Estado de São Paulo, a réplica de Augusto de Campos buscou enfatizar sua experiência como tradutor, mas sem deixar escapar uma série de insultos pessoais feitos a Tolentino.

Com mais de 40 anos de atividade poética, e mais de 40 livros publicados, dois terços dos quais dedicados à tradução da poesia, o que seria uma bagagem literária abismalmente superior à do desprezível e obscuro articulista. (CAMPOS, 1994)


Acompanhando o artigo seguia um abaixo-assinado que repudiava a crítica de Tolentino, assinado por umas 70 pessoas, entre elas, Marilena Chauí, João Cabral de Melo Neto, Gilberto Gil, Caetano Veloso, Beth Coelho e Gal Costa. Prato feito para Tolentino e seus defensores, que consideraram o abaixo assinado, uma tentativa de “suprir pelo número de assinaturas a falta absoluta de respostas inteligentes”. (CARVALHO, 2007).

Já em 1996 surge outra grande polêmica: publicada nas páginas amarelas da Revista Veja, a entrevista com Bruno Tolentino, sob o título “Quero meu país de volta” gerou, mais uma vez, muito barulho e protestos. O estopim para a balbúrdia foi responder que jamais educaria seu filho em uma escola brasileira. Os argumentos para essa negativa consistiam em afirmar que na escola onde sua mulher procurou fazer a matrícula do filho teria uma Cartilha Comentada com nomes como Camões, Fernando Pessoa, Drummond, Manuel Bandeira e Caetano Veloso. A indignação caiu no fato de uma escola confundir os valores de um poeta com os valores de um músico. “É preciso botar os pingos nos is. Cada macaco no seu galho, e o galho de Caetano é o show biz. Por mais poético que seja, é entretenimento. E entretenimento não é cultura” (TOLENTINO, 1996).