domingo, 13 de março de 2011

Marcha para Zenturo

Marcha para Zenturo, criação das companhias Espanca! e Grupo XIX de Teatro é um espetáculo que, através de uma linguagem poética, se propõe a questionar o futuro. No palco, uma turma de cinco amigos se reencontra para celebrar o Ano Novo: Noema, Patalá, Gordo, Lóri e Marco conversam o tempo todo, sem entenderem uma palavra do que se diz. É então, desde o princípio, que percebemos um futuro de relações sociais desconstruídas, de seres humanos individualistas. Um mundo onde os símbolos já não dizem mais nada e, também as pessoas não têm nada a dizer. Um tema bastante recorrente em livros, filmes e nas mais diversas esferas da arte. É impossível, por exemplo, não lembrar da novilíngua de George Orwell, em 1984, ou de Dorminhoco, de Woody Allen. Há um quê de originalidade no modo como este tema foi explorado, com a criação de uma nova linguagem, mas vários pecados foram cometidos, o principal deles, a falta de pesquisa.


Fala-se constantemente que uma peça é pretensiosa ou ambiciosa demais quando, raramente, entende-se a que ela se propõe. No caso de Marcha para Zenturo, a pretensão não está na falta de entendimento, mas, sim, na distorção dos fatos. A começar pela peça encenada dentro da peça, uma adaptação de As Três Irmãs, de Tchecov. A ação ocorre quando Gordo presenteia os amigos com o espetáculo. Surgem então, três novos personagens. Tudo ia muito bem enquanto os diálogos se limitavam às lembranças do passado, às saudades de Moscou, o que lembra, de fato, a agonia das irmãs em relação à vida no campo. Em momento nenhum, porém, a peça de Tchecov relaciona Moscou ao regime comunista. O que acontece, descaradamente, em Zenturo, e aí sim, de forma muito pretensiosa, quando um dos irmãos decide quebrar um bloco de gelo usando uma foice e um martelo. Como, se Tchecov se nega ao longo de toda sua obra, a falar sobre revoluções? Aliás, por algum tempo, foi considerado um autor conservador e reacionário, por manter amizade com A.S. Suvorin, um magnata milionário, proprietário de um famoso jornal. Melhor que isso, só a piada da “Av. WalkerBush, sempre tão vazia”. Além de ser um recurso fraco, sobrepor política à estética, a graça só se faria presente há dez anos.


Após a representação, os atores decidem ficar na festa de réveillon dos cinco amigos. Em dado momento, um deles se encanta com um crucifixo de Jesus, que está pregado à uma parede. Diz coisas como “que corpo belo, que homem bonito, parece representar o amor”, como se um dia, no futuro, a imagem de Jesus na cruz não significasse mais nada. É um ponto a analisar. Marcha para Zenturo se passa no ano 2441. Em dois mil e onze anos a existência de Jesus é tão notável que só estamos em 2011 graças ao nascimento dele. Até os ateus vivem em 2011. Por que então, quatrocentos anos depois, a imagem de Jesus Cristo crucificado não significaria absolutamente nada? O que poderá ter acontecido em quatrocentos anos que anulou dois mil? Parte da platéia acha graça.


Ao final, a peça decide se explicar. Marco, considerado doente pelos seus amigos, desce do palco e entra em contato com o público. Pega uma pedra de gelo, que está junto com muitas outras espalhadas no cenário, para dizer que a vida é como aquela pedra, ao mesmo tempo que é sólida, se derrete. Pura poesia.

sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

Lulística

Um ébrio presidente embebe a gente,
Que, sóbria, desgastada da prudência,
Aos poucos goles, sorve uma torrente,
Que lhe absorve a parca inteligência.
E os votos, empapados de aguardente,
Definem o final da abstinência.
Unânime, a cachaça realiza
O que discurso algum idealiza.

segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

Vamos acabar com a mentirada?

1) O déficit nominal do setor público, que é a diferença entre despesas e receitas, chega a 2,7% do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro – uma conta no vermelho de 99 bilhões de reais, muito distante da promessa do presidente Lula de zerar esta conta.

2) Na semana passada divulgou-se o número de empregos criados com carteira assinada, só em 2010: 2,5 milhões. Surpreendente, não? Para chegar a esse número, o ministério lançou mão da Relação Anual de Informações Sociais (Rais), que contabiliza empregos gerados no setor público. Tais são divulgados somente em maio, mas foram especialmente antecipados para que o governo pudesse atingir sua meta de criação de empregos.

3) Sobre o PAC: se alguém pega um crédito na Caixa para reformar a própria casa, o governo contabiliza isso como investimento do PAC. Isso significa que, dos 619 bilhões de reais divulgados como investimentos do PAC entre 2007 e 2010, 216 bilhões de reais provêm dos financiamentos da Caixa.

4) Essa é velha, mas não custa lembrar: no Minha Casa, Minha Vida, o discurso inicial feito em 2008 era de que um milhão de moradias seriam construídas dentro de dois anos. Ao perceber a inviabilidade de sua promessa, Lula retrocedeu e estabeleceu uma nova meta: a de um milhão de “casas contratadas” até o final de 2010. Pronto. Bastava assinar a papelada na Caixa para entrar na estatística.

5) Das 14 universidades anunciadas pelo presidente, somente 4 são realmente novas. As outras 10 são antigos pólos universitários que conquistaram independência com a permanência de um reitor. Além disso, muitas delas não têm sede. A UNIFESP, de Osasco, tem o terreno, mas há 3 anos ele está abandonado. As aulas acontecem em prédios de escolas municipais, cedidos pela prefeitura. O mesmo acontece em Governador Valadares, no prédio do Colégio Estadual, que abriga a IFMG. Na Universidade Federal do Amapá, outro problema, quase inacreditável: o curso de medicina terminou o ano passado com dois professores VOLUNTÁRIOS na disciplina de anatomia. Não passaram por concurso e não recebem salário!

Muitos números não são ruins. 2,13 milhões de empregos é muita coisa. O problema está na enganação e no ego do PT. Na eterna luta de se dizer melhor que os partidos da direita, quando saem na frente, apenas no marketing eficiente e na lorota popular. O Brasil está muito longe dos números anunciados.

terça-feira, 18 de janeiro de 2011

Flagrante da incompetência

Reinaldo Azevedo recebeu o relato de um amigo que tem casa no Vale do Cuiabá, em Petropólis. Ele revela como anda a assistência aos desabrigados na região Serrana:

Dá para escrever uma peça teatral de tragicomédia com o que vivi nos últimos dias e horas.

Não há comando. Hoje cedo, o padre da igreja me liga fazendo um apelo para tentar conversar com a secretaria de saúde, que passou ontem lá para vacinar o povo. A primeira visita desde que aconteceu a tragédia. Ficaram apenas 40 minutos e em uma única igreja - as quatro têm desabrigados. Era meio da tarde, e vacinaram poucos. Fosse à noite ou na hora do almoço, pegava o pessoal que dorme na igreja. No meio da tarde, as pessoas estão tentando resgatar algo de seu, procurando parentes etc.

Prometeram voltar hoje. Aí os líderes locais pediram para definir uma hora aproximada, que espalhariam a notícia na região, avisando a população local. Sabe qual foi a resposta? “Manda todo mundo ficar dentro da igreja o dia todo, não sair em hipótese alguma, porque, em algum momento do dia, nós passamos”. Não é para prender o imbecil que fala uma coisa dessas?

Como havia saques na região, que só tem uma entrada e uma saída, a PM fechou com pelotão de choque. Eu contei quatro carros n o sábado, às 12h, onde precisava de apenas um. Às 22h, sabe quantos tinha? Zero. Foram embora todos e voltaram no domingo, às 8h da manhã. Como se vê, saque é proibido só em horário comercial, como a vacinação - e na hora que o médico decidir aparecer.

A resposta econômica não fica atrás. Vão dar cheque do aluguel social onde não tem casa para alugar - só sobraram a minha e outras mansões - aliás, a maioria repleta de desabrigados amigos dos caseiros; eu tinha até grávida na minha casa. O governo do estado deu isenção de IPVA em Petrópolis - só que, no bairro, ninguém mais tem carro. Adiaram pagamento de contas de luz e de água - só que os atingidos não têm mais casa. Sabe quem foi beneficiado? Eu. Minhas casa está intacta, e certamente não sou pobre e nem desabrigado.

É um absurdo o que está acontecendo.

Tenho inúmeras outras histórias para contar em poucos dias. Para resumir, acho que as Forças Armadas deveriam assumir o comando, mandar e desmandar, hierarquia, ordem etc. Aliás, quem está pedindo isso são os próprios desabrigados.

Por Reinaldo Azevedo

segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

A influência Dilmense

BERLIM. A chefa de governo alemã, Angela Merkel, presidiu hoje uma reunião oficiala muito eleganta na capital do país. Doravanta, seu cargo, o mais alto da Alemanha, chama-se “chancelera”. Os presentes e presentas ficaram muito contentes e contentas. Isso porque esperaram pacientes e pacientas depois de séculos pela chegada alvissareira da novilíngua entre teutos e teutas.

Na solenidade, a kanzlerin, rodeada por seus seguranços e seguranças, citou o maior poeto de sua terra, Johann Wolfgang von Goethe: “Nem todos os caminhos são para todos os caminhantes e todas as caminhantas.” Ela foi aplaudida do seu motoristo, sentado na primeira fileira de poltronas, aos analistos políticos, no fundo do salão. Mais adianta, com incontida emoção, a chacelera novamenta lembrou Goethe: “Reconhece-se a mulher de merecimento por este sinal: que, se o marido desaparecesse, ela podia ser o pai dos seus filhos.”

Merkel, famosa por suas qualidades de gerenta da mais pujanta economia da Europa, reafirmou sua promessa de que todas vias na Alemanha terão mão dupla com corredores independentas para pedestras, pedestres, ciclistos e ciclistas. Ao final, sorridenta, arrematou: “Feliz Ano Novo a todos e a todas.”

Por Antonio Ribeiro

sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

O Poeta Maldito (Parte 2)

Se fizerem um show com todas as músicas de Noel Rosa, Tom Jobim ou Ary Barroso, eu vou e assisto dez vezes. Mas saio de lá sem achar que passei a tarde numa biblioteca. Não se trata de cultura e muito menos de alta cultura. Gosto da música popular brasileira e também da de outros países, mas a música popular não se confunde com a erudita. Então, como é que letra de música vai se confundir com poesia? (TOLENTINO, 1996)

Deste ponto para relembrarem o acontecido um ano antes, com os irmãos Campos, e compararem este manifesto a um possível ressentimento por Caetano Veloso ter assinado o abaixo assinado, foi um pulo. Mas Tolentino reforça o que havia dito anteriormente e segue fazendo uma crítica ao legado das Letras no país. Para o poeta, nas redações dos jornais assim como nas universidades, a censura ainda prevalece e o único critério para sancionar uma obra parece ser a genuflexão do autor aos ícones da hora. A crítica dá a impressão de que a inteligência nacional encolheu, desaparecendo com o diálogo, o debate e a polêmica. Para ele, o grande erro da cultura brasileira é colocar Chico, Caetano e Benjor no lugar de Manoel Bandeira, Adélia Prado e Ferreira Gullar. Nessa sentença, podemos, inclusive, observar que, tão conhecidos tornaram-se os três primeiros que só pelo nome é possível reconhecê-los, ao passo de que, se colocássemos só os primeiros nomes dos três últimos, correr-se-ia o risco de torná-los anônimos.

Em dado momento da entrevista, Tolentino é questionado por que não vai ensinar o que sabe nas universidades brasileiras. Ele responde que só entraria numa faculdade, disfarçado de cachorro. “Não vão me convidar para nada porque eu quero acabar com os empregos e mordomias deles” (TOLENTINO, 1996).

Em seguida, o poeta deixa claro que, para ele, a fórmula de sobrevivência no país se mantinha na trilogia do emprego público, condomínio fechado e plano de saúde; um reflexo da elite analfabeta e irresponsável, acusada por Tolentino como culpada por entregar a cultura brasileira.

O Poeta Maldito (Parte 1)

“Voltei para ensinar”, disse Bruno Tolentino a Olavo de Carvalho, quando voltou ao Brasil depois de quase 30 anos vivendo na Inglaterra. O objetivo parecia ser o único do poeta, já que sua obra, escrita em três línguas, estava praticamente completa. Mas ensinar como? Não através de discursos em salas de aula - o que também poderia ser feito, já que foi professor de literatura nas universidades de Oxford, Essex e Bristol - mas através da sua influência direta nos meios de comunicação de massa: jornais, revistas, TV, rádio, grupos de encontros... E assim fez-se ouvir, lançando, em 1995, “Os Sapos de Ontem”, consagrando a primeira grande polêmica desde seu retorno. O livro, uma coletânea de textos, artigos e poemas, tinha como alvo principal atacar intelectuais como os irmãos concretistas Haroldo de Campos e Augusto de Campos, reduzindo suas obras à mediocridade nacional, questionando, inclusive suas traduções. A briga havia começado um ano antes, quando Tolentino publicou uma resenha na Folha de São Paulo criticando uma tradução de Augusto de Campos.

Mas fico pasmo: será que absolutamente tudo que o grande americano fez em 140 palavras magistralmente agenciadas escapou a um tão vetusto e erudito inspetor de poesia, inclusive a de língua inglesa? Em todo caso, este consegue fazer da surpreendente dry directness irrompendo em: As, perched in the crematory lobby, / the insistent clock commented on, a empertigada flacidez de, Iguais às que, no crematório, / Do alto o relógio remoía. (TOLENTINO, 1994)


É claro que houve réplica, tréplica, manifesto, indignação... Publicada no Estado de São Paulo, a réplica de Augusto de Campos buscou enfatizar sua experiência como tradutor, mas sem deixar escapar uma série de insultos pessoais feitos a Tolentino.

Com mais de 40 anos de atividade poética, e mais de 40 livros publicados, dois terços dos quais dedicados à tradução da poesia, o que seria uma bagagem literária abismalmente superior à do desprezível e obscuro articulista. (CAMPOS, 1994)


Acompanhando o artigo seguia um abaixo-assinado que repudiava a crítica de Tolentino, assinado por umas 70 pessoas, entre elas, Marilena Chauí, João Cabral de Melo Neto, Gilberto Gil, Caetano Veloso, Beth Coelho e Gal Costa. Prato feito para Tolentino e seus defensores, que consideraram o abaixo assinado, uma tentativa de “suprir pelo número de assinaturas a falta absoluta de respostas inteligentes”. (CARVALHO, 2007).

Já em 1996 surge outra grande polêmica: publicada nas páginas amarelas da Revista Veja, a entrevista com Bruno Tolentino, sob o título “Quero meu país de volta” gerou, mais uma vez, muito barulho e protestos. O estopim para a balbúrdia foi responder que jamais educaria seu filho em uma escola brasileira. Os argumentos para essa negativa consistiam em afirmar que na escola onde sua mulher procurou fazer a matrícula do filho teria uma Cartilha Comentada com nomes como Camões, Fernando Pessoa, Drummond, Manuel Bandeira e Caetano Veloso. A indignação caiu no fato de uma escola confundir os valores de um poeta com os valores de um músico. “É preciso botar os pingos nos is. Cada macaco no seu galho, e o galho de Caetano é o show biz. Por mais poético que seja, é entretenimento. E entretenimento não é cultura” (TOLENTINO, 1996).